Na 1ª parte deste artigo, foram feitas diversas considerações sobre "O que são percepções de riscos". Agora, inicio a 2ª e última parte com a seguinte questão: Como as “regras gerais” afetam as percepções?
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Heurísticas são regras de julgamento, ou atalhos das “regras gerais”, que as pessoas utilizam para auxiliá-las a avaliar situações e a tomar decisões. Três dos principais atalhos usados para avaliar riscos são “disponibilidade”, “representatividade” e “ancoragem e ajustamento”.
Disponibilidade: as pessoas usam a heurística da disponibilidade para julgar a probabilidade dos eventos pela facilidade (disponibilidade) de imaginá-los ou relembrá-los. As pessoas tendem a atribuir probabilidades maiores do que é realmente justificado para eventos comparativamente raros, caso tenham visto ou tomado conhecimento de uma ocorrência recente. Tendem a atribuir probabilidades menores para acidentes triviais.
Representatividade: as pessoas “situam” um evento por suas características. Estimam a probabilidade de um evento por sua semelhança com outro tipo de evento. Isso leva a uma espécie de viés conhecido como “falácia de jogador”, que faz julgamento equivocado da lei das probabilidades. Por exemplo, por não ter saído “cara” ao jogar cara ou coroa por seis vezes, acredita-se que é mais provável que saia cara na próxima jogada, quando obviamente a probabilidade de cara continua sendo 50% para a próxima jogada, independentemente dos resultados das jogadas anteriores. Isso é particularmente evidente quando se pede às pessoas para julgarem a frequência de eventos comparativamente raros, tais como enchentes.
Ancoragem e Ajustamento: envolve conectar a situação de risco com um valor apresentado inicialmente, a âncora. Se um risco não é particularmente bem conhecido e for dada uma estimativa inicial, as pessoas tendem a revisar sua estimativa fazendo ajustes a essa estimativa inicial. Por essa razão, os negociadores geralmente tentam posicionar bem o ponto inicial da negociação em seu território-alvo.
As heurísticas são ferramentas válidas de avaliação de riscos em algumas circunstâncias e podem proporcionar “boas” estimativas do risco estatístico em situações nas quais os riscos são bem conhecidos. Em outros casos, quando se sabe pouco sobre um risco, vieses amplos e persistentes podem gerar medos que não têm nenhum fundamento provável; inversamente como, por exemplo, para os riscos associados a enfermidades transmitidas por alimentos, pode ser dada atenção indevida para questões que deveriam ser preocupações genuínas.
Embora as limitações e vieses possam ser facilmente demonstrados, não tem validade rotular as heurísticas como “irracionais”, já que, na maioria das situações diárias, julgamentos com base na regra geral fornecem uma abordagem eficaz e eficiente para estimar os níveis de risco. É comum que especialistas também utilizem as heurísticas quando têm que fazer um julgamento ou confiar na sua intuição.
Mas as heurísticas muitas vezes levam ao excesso de confiança. Tanto leigos quanto especialistas confiam consideravelmente (às vezes de maneira injustificada) nos julgamentos feitos utilizando-se as heurísticas. Em particular, a “conscientização” de um perigo não implica em saber nada mais do que a própria existência do perigo, mas as pessoas podem ficar tentadas a deixar de fazer um julgamento e tomar decisões somente com base nisso.
Esses fatores deveriam ser levados em consideração em todos os aspectos da Comunicação e Consulta (seção 5.2 da NBR ISO 31000:2009 e 6.2 da futura NBR ISO 31000:2018), tanto interna quanto externa à organização, uma vez que podem impactar na maneira como o risco é estimado e nos critérios usados para a sua avaliação.
Percepções de leigos e de especialistas
As partes interessadas (stakeholders) avaliam riscos usando sua própria percepção das consequências e das probabilidades de que estas serão sentidas. Embora especialistas técnicos possam ter acesso a medidas “objetivas” adicionais a partir de suas próprias disciplinas, eles também podem usar ainda suas próprias percepções subjetivas de uma situação. Para todas as pessoas, foi provado que as percepções são influenciadas:
• pelo fato do risco ser voluntário ou involuntário;
• por quanto controle uma pessoa pode exercer sobre o risco;
• pelo fato do risco ser familiar ou não ser familiar;
• pelo fato das consequências serem provavelmente comuns ou temidas, imediatas ou posteriores;
• pela gravidade das consequências;
• por quem se beneficia;
• por quem sofre a consequência do risco ocorrer;
• pelo grau de exposição pessoal à perda ou dano;
• pela necessidade de exposição observada;
• pelo tamanho do grupo exposto;
• pelo efeito sobre futuras gerações;
• pela natureza global catastrófica do risco;
• pela mudança da natureza do risco;
• pelo fato do perigo ser ou não identificado como parte da ocupação de uma pessoa; e
• pelo fato das consequências serem ou não reversíveis.
Além desses fatores, diversos determinantes demográficos e também socioeconômicos, tais como idade, sexo, nível educacional, classe social, etnia e faixa de renda, também afetam as percepções de indivíduos e grupos.
Percepções distintas refletem atitudes diferentes em relação à aceitabilidade ou tolerabilidade do risco. Pessoas com históricos diferentes podem parecer estimar os níveis de risco de maneira diferente, enquanto que a realidade pode ser que elas têm objetivos diferentes, julgando a importância de suas necessidades de maneira distinta e, por isso, para elas os riscos são diferentes. Também podem observar e interpretar os “fatos” de maneira distinta – o que geralmente leva a discordâncias quanto a estimativas “subjetivas” e “objetivas” do risco, e o que constitui um tratamento viável desses riscos. Além disso, grupos diferentes geralmente usam vocabulário diferente para descrever as perspectivas de uma dada situação, e então tentam solucionar as diferenças observadas usando sua própria interpretação das palavras utilizadas pelo outro grupo.
“Risco tolerável” e “risco aceitável”
As expressões “tolerância ao risco”, “aceitação do risco”, “risco tolerável” e “risco aceitável” são exemplos de expressões que são parte do vocabulário da Gestão de Riscos e são usadas com frequência, mas, com o passar do tempo, adquiriram diversos significados e nuances formais e informais.
Alguns desses significados ganharam um maior status por virtude da autoridade de suas fontes, como por exemplo:
• A observação feita pela Royal Society em 1981 de que risco aceitável tem como base a suposição de que “há um nível não-zero de probabilidade de ocorrência de um acidente abaixo do qual o público como um todo está disposto a aceitar o risco; nesse nível, não haverá nenhuma barreira para direcionar o envolvimento e a aprovação dessa atividade”.
• O relatório de 3 anos (1982-5) da consulta pública britânica sobre a proposta de construção da usina nuclear Sizewell B, em Suffolk , observou que “risco tolerável indica que as pessoas julgam que os benefícios de correr um risco superam os custos potenciais”. O Presidente da consulta, Sir Frank Layfield QC, comentou posteriormente que “embora o risco aceitável é geralmente usado para buscar um equilíbrio entre riscos e benefícios, não expressa adequadamente a relutância com a qual os possíveis riscos substanciais e os benefícios podem ser tolerados”.
Os conceitos que estão por traz desses dois exemplos estão em parte refletidos no que são quase definições sinônimas de aceitação do risco e tolerância ao risco, que foram padronizadas no ABNT ISO Guia 73:2009 - Gestão de riscos – Vocabulário:
• Aceitação do risco – decisão consciente de assumir um risco especifico, observando que a aceitação de risco pode ocorrer sem o tratamento do risco ou durante o processo de tratamento de riscos, e que os riscos aceitos estão sujeitos a monitoramento e análise crítica.
• Tolerância ao risco – disposição da organização ou parte interessada em suportar o risco após o tratamento do risco, a fim de atingir seus objetivos, observando que a tolerância ao risco pode ser influenciada por requisitos legais ou regulamentares.
Esse histórico diversificado de significados requer que, em uma Comunicação e Consulta específica, todas as partes entendam claramente o significado que está sendo adotado. Entretanto, a fim de garantir uma linguagem comum, as definições adotadas no vocabulário internacional (ISO Guia 73) devem ser utilizadas.
Outra questão a se ter em mente é que, a menos que o contexto tenha sido adequadamente estabelecido (o que revela a propriedade e o escopo dos objetivos que estão sendo considerados), qualquer tentativa de estabelecer os critérios de risco (isto é, decidindo o que será aceitável/tolerável) pode levar à existência de uma variedade de opiniões. Isso pode resultar em uma ação que pode ser aceita/tolerada por uma parte, mas não ser aceita/tolerada por outra – simplesmente porque ambas as partes tinham objetivos diferentes e, desse modo, de maneira bastante legítima por sinal, avaliaram os riscos de maneira distinta. O uso cauteloso e disciplinado e a explicação da linguagem da Gestão de Riscos durante a Comunicação e Consulta podem ajudar a evitar que partes diferentes estejam falando de coisas distintas.
Referência
As partes 1 e 2 deste artigo foram extraídas e adaptadas do Manual COMUNICAÇÃO E CONSULTA SOBRE RISCOS (e Engajamento de Stakeholders), publicado pela Risk Tecnologia Editora, cuja edição em português tive o prazer de coordenar.
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